Introdução.
Na década
de 1960, despertada por uma atmosfera global marxista, a igreja brasileira se
voltou para uma reflexão teológica mais sintonizada com as suas questões
socioculturais. Foi nesse contexto, que surgiu entre os evangélicos a chamada Teologia
da Missão Integral, que, naqueles dias de avivamento, não despertou o interesse
dos pioneiros do Movimento de Renovação Espiritual.
Enéas
Tognini, na verdade, parece ter condenando tal inclinação teológica, como
demonstra a história do dia nacional de jejum e oração; um chamado a igreja
brasileira a colocar-se de joelhos contra a ameaça comunista que rondava o
Brasil.
No ano de
2002, com a publicação do Manual Básico Batista Nacional, os batistas
nacionais, legítimos herdeiros da renovação, no entanto, apresentaram uma clara
associação com a Teologia da Missão Integral. Em 2013, com a realização da
Primeira Consulta Teológica sobre a Missão Integral da Igreja, realizada entre
14 e 17 de novembro na PIB de Brasília, avançaram ainda mais nesse processo de
aproximação.
O passo
mais importante dado pelos batistas nacionais em direção a Teologia da Missão
Integral, entretanto, fora dado em sua XXIX Assembleia Geral Ordinária
realizada na cidade de Armação dos Búzios. Nesse evento que comemorou os 50
anos de institucionalização do povo batista renovado, a Convenção Batista
Nacional, através de um parecer, expões de maneira mais detalhada a sua
percepção e posição sobre a TMI.
Mas, o que
é a Teologia da Missão Integral? Essa é uma questão que muitos batistas
renovados - inclusive pastores - ainda não sabem responder.
I
– O que é a Teologia da Missão Integral?
Tradicionalmente,
dentro do contexto cristão, a palavra teologia, construída a partir dos
radicais gregos theos e logos, tem sido definida como o estudo sobre
Deus tendo como base a sua autorrevelação, o que faz do fazer teológico uma elaboração
teórica voltada para a prática.
Na
Teologia da Missão Integral essa lógica é modificada. A teologia não mais parte,
como de costume, da reflexão para prática, mas da prática – na verdade, do
contexto onde o teólogo e sua comunidade de fé se encontram inseridos - para a
reflexão e dessa para ação.
A Teologia
da Missão Integral é, portanto, uma teologia contextual. Isto é, uma elaboração
teológica que parte da realidade cultural, social, política, econômica e
religioso da qual a igreja é participante a fim de trazer-lhe, sob a chave
hermenêutica do Reino de Deus, uma mensagem contextualizada do evangelho de
Cristo Jesus profundamente comprometida com a transformação da sociedade.
De acordo
com a pesquisadora Regina de Cássia Fernandes Sanches, uma teóloga dedicada ao
estudo da teologia latino-americana, não existe um método bem definido de se
fazer essa teologia integral, pois é uma teologia que surge e se faz a partir
do contexto histórico-social.[1]
O que percebemos,
no entanto, por trás da maneira de fazer Teologia da Missão Integral não é a
indefinição metodológica. Há, na verdade, um método que tem no diálogo entre o
contexto histórico-social e a revelação bíblica o caminho para uma reflexão
teológica atualizada, o que, necessariamente, não está apresentando nada de
novo ao modo como a teologia vem sendo construída ao longo de sua história.
A grande “novidade”
nessa proposta de elaboração teológica, como se pode perceber na postura de
alguns de seus representantes, é que na relação dialógica travada entre a
Escritura e o contexto histórico-social, a revelação bíblica precisa, por
vezes, se ajustar a uma cosmovisão que lhe parece estranha para se mostrar
contextualmente relevante.
A despeito
dessa dificuldade, que não é nova na história do povo de Deus, acreditamos que
é possível fazer uma Teologia da Missão Integral. Uma teologia, todavia, que não
só tenha os ouvidos abertos para o mundo, mas que também nos faça ouvir que
Jesus, o apóstolo Paulo e os demais autores bíblicos não estão em conflito.
II
- Os batistas nacionais e a Teologia da Missão Integral.
Até onde
conhecemos, não temos entre os batistas nacionais grandes referências sobre a
Teologia da Missão Integral. Gente que tenha se dedicado a escrever e publicar
boas obras sobre o assunto de modo que a nossa denominação pudesse beber da
própria fonte.[2]
Conquanto
seja essa a nossa realidade, acreditamos que os batistas nacionais sejam uma
das poucas denominações históricas – talvez a única - a expor de modo oficial
as suas posições sobre a Teologia da Missão Integral.
O Manual
Básico Batista Nacional, um texto que reúne os principais documentos
que compõem o modo batista nacional de expressar publicamente a sua fé, deixa isso muito claro:
Objetivo
do manual básico batista nacional: Este compêndio tem por finalidade apresentar
à nação batista nacional, igrejas, pastores, membros e organizações, as
diretrizes norteadoras do trabalho confiado à nossa denominação, a partir do conceito da Missão Integral da Igreja.[3]
E qual o
conceito de Missão Integral da Igreja? É a participação na missão que “O próprio Deus está trabalhando para
libertar o homem, escravo de si mesmo, do pecado e de Satanás, trazendo-o de
volta à verdadeira comunhão com Deus e com o próximo”.[4]
É a pregação do “Evangelho
todo para todo homem e o homem todo!”.[5]
Assim, compreendem
os batistas nacionais, que “A Missão dada a nós por Cristo é um chamado para servir
ao mundo, através de atos concretos de misericórdia, conclamando os homens, ao
mesmo tempo, ao arrependimento dos pecados”.[6]
Esse tipo
de abordagem conceitual encontra reflexo numa prática pastoral e missional da
igreja mais comprometida com as questões sociais. Apesar disso, os batistas de
renovação não confundem a Teologia da Missão Integral com mero assistencialismo
social, pois isso prejudicaria a própria integralidade do evangelho de Cristo
Jesus, o qual veio resgatar o homem caído em todas as dimensões de sua vida que
foram afetadas pelo pecado.[7]
Para os
batistas nacionais, esse modo de fazer teologia mais antenado com a prática
pastoral e missionária não se sustenta em ideologias socioeconômicas, como a
Teologia da Libertação, mas na própria Bíblia, na mensagem do Reino de Deus, e
é construída em diálogo com o contexto no qual a igreja se encontra inserida e
a tradição cristã que retrocede a Reforma Protestante.[8]
A Teologia
da Missão Integral, segundo essa lógica, deve sustentar-se sobre o tripé:
Bíblia, tradição e contexto histórico-social, tendo, contudo, no contexto o
grande catalisador de suas reflexões.
III
– A Teologia da Missão Integral e a nossa confessionaidade.
A já
citada teóloga Regina de Cássia Fernandes Sanches, em sua dissertação de
mestrado sobre a teologia latino-americana, aponta que na elaboração de uma
Teologia da Missão Integral “Os temas diversos da fé cristã, demandados também
pelo lugar teológico, serão tratados na nova perspectiva”.[9]
O pastor
José Carlos da Silva, ex-presidente da Convenção Batista Nacional e, talvez,
uma das principais influências quando o assunto é TMI no âmbito de nossa
denominação, em sua reflexão - A
Teologia da Missão Integral da Igreja - proferida na 1ª Consulta Nacional
de Missão Integral da CBN se alinha com essa ideia ao defender que os batistas
nacionais precisavam rever, entre tantas doutrinas, sua Cristologia,
Soterilogia, Eclesiologia e Escatologia.[10]
No
documento “Alinhando a Eclesiologia Batista e a Missão Integral da Igreja”
produzido na mesma consulta em um trabalho conduzido pelo pastor Stephenson Soares
Araújo há a seguinte sugestão: “que a Convenção Batista Nacional repense a sua Teologia,
a sua Cristologia e sua escatologia”.[11]
Em termos
práticos, essas declarações podem até fazer sentido. Porque não são poucas as
igrejas filiadas à nossa convenção que se encontram afastadas, em maior ou
menor grau, dos elementos fundamentais que constituem a nossa fé. Todavia, como
entender essas declarações tomando como base os nossos textos confessionais?
Seria essa uma indicação de que deveríamos deixar de lado a nossa herança
teológica em busca de uma teologia mais contextual?
A história
da Igreja, nesse sentido, tem muitos a nos ensinar. Nela percebemos que a
Igreja de nosso senhor Jesus Cristo não avança em sua missão à medida que tenta
conformar a sua mensagem ao contexto em se encontra. A lógica é justamente
inversa. A Igreja avança em missão à medida que resgata suas antigas verdades e
se posiciona no mundo marcado pelo pecado como uma comunidade de contraste.
Fora
exatamente essa a posição sustentada pelos batistas na decadente Inglaterra do
século XVII. Num contexto marcado pelo desprezo as Escrituras, eles buscaram
resgatar o modelo de Igreja que refletisse de modo adequado a Palavra de Deus e
princípios que norteassem a vida de cada cristão.[12]
A verdadeira
Teologia da Missão Integral, portanto, como bem destacado por René Padilha,
grande expoente dessa teologia latino-americana, “não tem a pretensão de
construir um sistema teológico que venha a substituir a nossa tradição
confessional”[13]. O seu
papel “É levar a igreja a refletir de maneira mais ampla sobre a sua missão no
mundo, posto que durante anos essa fora vista de maneira reducionista”.[14]
Conclusão.
Não
sabemos ao certo quando a Teologia da Missão Integral começou a encontrar
espaço no seio da Convenção Batista Nacional. O certo é que em 2002 o nosso
manual básico surge com o objetivo de apresentar “as diretrizes norteadoras do
trabalho confiado à nossa denominação, a partir do conceito da Missão Integral
da Igreja”.[15]
Em 2013,
por ocasião da 1ª Consulta Nacional de Missão Integral da CBN, se propôs que a
nossa denominação repensasse a sua teologia e difundisse entre as igrejas
batistas nacionais, por meio de seus diversos órgãos, o ensino da Teologia da
Missão Integral. E desde então muito trabalho passou a ser feito.
A despeito
de todo o esforço, a Teologia da Missão Integral ainda não é bem conhecida de
boa parcela do povo batista nacional. Além disso, dada a associação dessa
teologia com cristãos progressistas, muitos daqueles que a conhecem não a veem
com bons olhos e acabam por fazer uma opção por uma teologia que os integralistas
chamam de fundamentalista.
Por essa
razão, no âmbito da Convenção Batista Nacional, a TMI nos parece uma reflexão
de acadêmicos que ainda não encontrou eco nos corredores de nossas igrejas.
[1] SANCHES, Regina de Cássia
Fernandes. Uma Nova Maneira de Fazer
Teologia - Análise dos aspectos históricos e formais da Teologia
Latino-americana com o auxílio de Orlando Enrique Costas, 2008, p. 42.
Dissertação (Mestre em Teologia) - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
(FAJE), 2008.
[2] Regina
de Cássia Fernandes Sanches é uma teóloga de tradição batista nacional que tem
se dedicado ao estudo da Teologia da Missão Integral. O material, no entanto,
que tem publicado é muito mais informativo/formativo do que uma produção de
Teologia da Missão Integral propriamente dita.
[3] Manual Básico Batista
Nacional, p. 8.
[4] Ibid., p. 27.
[5] Ibid., p. 28.
[6] Manual do Mensageiro da
XXIX Assembleia da Convenção Batista Nacional, p. 40.
[7] Idem.
[8] Idem.
[9] SANCHES, Op. cit., p. 42.
[10] Cf. a palestra A Teologia da Missão Integral da Igreja
do pastor José Carlos. Disponível: <https://ru-clip.com/video/DBZ0QWyJ5DM/pr-jose%CC%81-carlos-a-teologia-da-miss%C3%A3o-integral-da-igreja.html>.
Acesso em: 19 Jan. 2018. Perceba, contudo, que a crítica que José Carlos da
Silva faz a essas doutrinas não parte de uma reflexão fundamentada em nossa Declaração
Doutrinária, mas na teologia que, lamentavelmente, se percebe em muitas de
nossas igrejas. O caso mais trágico, muito provavelmente, é a adoção de uma
escatologia dispensacionalista.
[11] Cf. Alinhando a Eclesiologia Batista e a Missão Integral da Igreja. 1ª
Consulta Nacional de Missão Integral da Convenção Batista Nacional, Ano 2013,
p. 1.
[12] Os princípios batistas ao
tratar de questões como liberdade de consciência, o valor do indivíduo,
separação entre Igreja e Estado e muitos outros temas semelhantes, de algum
modo já antecipavam preocupações que os teólogos da missão integral vieram a
observar posteriormente.
[13] Cf. A entrevista 10 perguntas fundamentais sobre Missão
Integral concedida por René Padilha a Ultimato. Disponível em:
<https://www.ultimato.com.br/conteudo/10-perguntas-fundamentais-sobre-missao-integral>.
Acesso em 23 Out 2018.
[14] Idem.
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