I. INTRODUÇÃO
Frequentemente, a “Teologia da Missão Integral” (TMI) é confundida com a Teologia da Libertação (TdL), pois, ambas são vertentes da Teologia Contextual Latino-americana e possuem em comum a ocupação com o contexto de origem, onde se vivencia e produz a teologia. Negar essas semelhanças pode fomentar ainda mais o desconforto daqueles que lançam sobre a TMI o olhar de desconfiança e descrédito. Assim sendo, cabe a nós, então, evidenciarmos as essenciais particularidades da Teologia da Missão Integral com a qual, nós batistas nacionais, nos identificamos.
Samuel Escobar, um dos pais da TMI, ao discorrer sobre a TdL, aponta algumas diferenças com as quais, nós evangélicos, não pactuamos. E uma delas é: “cremos que a leitura evangélica da Bíblia nos leva a rejeitar a análise marxista como pré-requisito para a ação que, por sua vez, precede a reflexão teológica” (p. 181). Porém, o autor nos alerta para o perigo de, na tentativa de negar qualquer semelhança com a TdL, em sua primazia pela práxis marxista, nós evangélicos cairmos no extremo da indiferença ao sofrimento do povo a quem servimos, apoiando ou fazendo vistas grossas aos regimes opressivos e corruptos. Esse seria um grande equívoco, pois, nossa herança protestante interpreta o Evangelho como fator de mudança social. Sendo assim, Escobar apresenta um modelo de evangelização segundo Jesus, afirmando o seguinte: “Jesus toma a sério o problema da propriedade, do poder, das relações humanas; problemas que são a origem da problemática social e política. Jesus Cristo cria uma nova comunidade, a qual, debaixo de Seu Senhorio os ditos problemas se resolvem de maneira única. Uma comunidade vivendo dentro de uma sociedade, mas vivendo diferente, seguindo a Jesus Cristo, e sendo exemplo para a sociedade ao seu redor”. (1987, ibid, 186).
2. FUNDAMENTOS BÍBLICO-TEOLÓGICOS DA MISSÃO INTEGRAL
Escobar propõe um modelo fundamentado no Evangelho que
transforma a igreja radicalmente e que oferece à sociedade uma nova proposta de
vida debaixo do senhorio de Jesus Cristo. Alguns pontos podem ser destacados:
•
Nesta sociedade chamada igreja, há uma nova atitude em face ao dinheiro e a
propriedade (Lc 22.33-41; At 2.43-45; 4.34; 20.35; Tg 2.14-16; 1Jo 3.16,17);
•
Uma nova atitude em relação ao poder e seu exercício (Lc 2.23-27; 2 Co 10.8;
12.10-15; 1Pe 5.1-3);
•
Uma comunidade onde as barreiras e os conflitos humanos são resolvidos debaixo
do senhorio de Jesus Cristo (Gl 3.28; Cl 3.11; Fm 15-17);
•
Uma comunidade pronta para sofrer pela justiça e pelo bem (Mt 5.10-12; At
7.51-60; 16.16-24; 1Pe 3.13-18). (ibid, p. 186).
Ao tratar sobre as diferentes hermenêuticas entre os
evangélicos brasileiros, Zabatiero (2006) coloca a hermenêutica contextual, como
uma vertente da hermenêutica histórico-gramatical, e afirma que
O
principal fruto da hermenêutica contextual tem sido a teoria e a prática da
chamada missão integral, um dos distintivos do evangelicalismo
latino-americano. Entendendo que o Evangelho do Reino de Deus produz mudanças
em todas as dimensões da vida humana, a leitura contextual da Bíblia tem
alimentado a formação e o desenvolvimento de uma compreensão da missão da Igreja
semelhante à desenvolvida pela TdL. (apud, Rimer e Silva, 2016, p.69)
Ainda, de acordo com a perspectiva do autor supracitado,
a TMI distingue-se da TdL por:
a.
Manutenção do ideário doutrinário evangelical conservador, conforme brevemente
descrito no pacto de Lausanne;
b.
Rejeição do instrumental marxista de interpretação da realidade, optando por
uma visão mais conservadora de transformação social, de centro-esquerda
moderada;
c.
Ter como eixo de práxis o Reino de Deus, entendido como ação soberana de Deus
na história, e não a opção preferencial pelo pobre;
d.
Maior ênfase na dimensão emocional, subjetiva, da ação transformadora de Deus
na história, começando com a conversão pessoal e individual a Jesus Cristo como
único Senhor e Salvador e se manifestando em uma vida de santidade e piedade –
mais à moda do pietismo protestante, regado pelo avivalismo anglo-americano
(apud Rimer e Silva, 2006, p. 61-74).
Sanches (2009), teóloga evangélica, em sua dissertação de
mestrado, escreveu sobre a Teologia da Missão Integral, sua história e seu
método e, de forma magistral, apresentou as diferenças existentes entre a TdL e
a TMI. Desse modo, interpretando a perspectiva da autora, pode-se afirmar que
essas duas teologias têm em comum a origem latino-americana, no mesmo período
sócio-histórico e sua ocupação na transformação do contexto onde se vive a fé
em Cristo, porém, a diferença está, essencialmente, no método. Pois, a TdL é
radical e utiliza as ciências sociais como referencial teórico de análise da
realidade histórica. Inegavelmente, se utiliza do marxismo como pensamento
econômico político ideal, fazendo uma opção preferencial pelo pobre. Em
contrapartida, a TMI busca ser bíblica e tem como referencial o Reino de Deus.
Possui uma ênfase evangelizadora destacada em sua elaboração.
Para Sanches (2009, p.153), “a TMI é teologia da
liberdade teológica, histórica e eclesial”. Segundo as afirmativas da autora, ela
tem suas raízes fincadas na Reforma Protestante e no movimento Anabatista,
influenciada pelo movimento Pietista- Moraviano e no movimento Puritano. Assim,
de acordo com Sanches (2009, p.75) “foi este protestantismo puritano-pietista
que, renovado na experiência dos avivamentos, gerou o esforço missionário nos
séculos XIX e XX para a América Latina e outros povos do terceiro mundo” e que
influenciou a TMI. Portanto, o movimento Evangelical, que é uma tentativa de
superação do Fundamentalismo evangélico norte- americano, é o berço último da
TMI.
A TMI não pode ser confundida com o mero assistencialismo
social; pois, assim perderia sua própria integralidade de acordo com o
Evangelho de Jesus Cristo, que veio resgatar o homem caído em todas as suas
dimensões de vida que foram afetadas pelo pecado. De acordo com o Evangelho de
Marcos, capítulo 5, pode-se afirmar que não se trata do fato de que a evangelização
e a assistência social devem se complementar. Pelo contrário, o Evangelho
pleno, apresentado por Jesus, deve resultar em transformações do ser humano em
todos os âmbitos da vida. A Missão dada a nós por Cristo é um chamado para servir
ao mundo, através de atos concretos de misericórdia, conclamando os homens, ao
mesmo tempo, ao arrependimento dos pecados. Como Jesus, a igreja é chamada a ir
ao encontro dos necessitados (Marcos 5: 1), agindo como testemunha fiel (Marcos
5.19), mantendo a comunhão (koinonia) e servindo ao mundo (diakonia). O
problema é quando restringimos a Missão de Jesus somente aos aspectos
soteriológicos e assim perdemos o foco universal do Evangelho que é a
restauração completa de toda a criação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se claramente então que a TMI não tem ligação com
o radicalismo da TdL no que diz respeito às questões políticas, sobretudo, pelo
fato de que seu instrumento de análise não repousa sobre quaisquer ideologias
econômico-sociais, mas na Bíblia, tendo como eixo central e chave hermenêutica
o Reino de Deus. É a partir dos princípios bíblicos do Reino de Deus que a
Missão Integral procura refletir no contexto no qual está inserida, levando em
conta todo o cabedal histórico-teológico construído até aqui (Reforma,
Pietismo-Puritanismo-Avivamentista, e o consequente movimento missionário
contemporâneo) para então agir de maneira pastoral e missionariamente.
A TMI não tem a pretensão de ser uma teologia que
substitua as demais teologias; sobretudo, a teologia clássica, construída através
de séculos; mas, ao contrário, seu objetivo é o de contribuir a partir da
realidade da América Latina, com o pensamento teológico histórico. Afirmam
Sanches (2009) e Escobar (1987), “ela é uma teologia da missão, da
evangelização, que procura refletir em como cumprir nosso papel pastoral e
missionário em nosso contexto”.
Consideramos, portanto, justificável a iniciativa de se
desenvolver uma teologia contextual; pois, conforme ainda afirma Sanches (2009,
p.118), apesar das inúmeras contribuições da teologia clássica, “esta, muitas
vezes, se ocupou demasiadamente com as questões postas pelo Iluminismo,
enquanto, na América Latina e, em geral, os problemas não são de ordem
existencial; mas, de caráter econômico, social, político e cultural”.
A TMI está ligada ao Pacto de Lausanne e sofreu, desde o
início no Brasil, certa oposição da ala fundamentalista evangélica, mencionada
por Carvalho e Longuini Neto. De acordo com dados observáveis, grande parte da
liderança evangélica brasileira preferiu optar pelo Movimento do Crescimento da
Igreja, ligado ao fundamentalismo norte-americano que tem gerado a busca insana
por modelos importados de solução para todos os nossos males, assim também como
a adoção da teologia da prosperidade e do evangelho de mercado, postura esta
que tem influenciado a muitos pastores de nossa e outras denominações. E muitos,
estão a ver navios, em meio a essa hegemônica pressão mercadológica e
psicológica, sem saber o que fazer. Diante dessa triste realidade, entendemos
que a TMI é, certamente, o modelo de orientação, em meio à busca de uma
pastoral missionária contextualizada, pertinente e relevante, vinculada à nossa
boa e saudável tradição teológica.
Face ao exposto, nós, Batistas Nacionais, manifestamos a
seguinte posição:
1. Reconhecemos a Missão Integral como um eixo
eclesiológico apropriado para a prática pastoral e missional no contexto batista
nacional e não como um sistema teológico;
2. Sentimo-nos à vontade com a Missão Integral pelo fato
de que ela comunga com o nosso princípio de ter a Palavra de Deus como regra de
fé e prática, e também por definir, em sua opção metodológica, o Reino de Deus
como eixo referencial, coadunando ao nosso princípio da separação entre Igreja
e Estado, dessacralizando os modelos econômicos; pois, tanto o liberalismo como
o socialismo e quaisquer outras propostas político-econômicas são humanas;
portanto, contaminadas com o pecado e, no final, desembocam na opressão do ser
humano;
3. Também nos sentimos à vontade com a Missão Integral,
pelo fato dela estar mergulhada nos movimentos de avivamento de origem pietista
e puritana, os quais são o berço do Movimento de Renovação Espiritual que gerou
nossa denominação. Sobretudo, porque a Missão Integral está aberta para a
operação do Espírito Santo.
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Fonte: Manual do Mensageiro da XXIX Assembleia da
Convenção Batista Nacional, p. 39, 40.
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