Mais um ano novo se aproxima. A despeito disso, o Brasil e os brasileiros parecem que irão continuar com os mesmos problemas do ano velho: crise na saúde, crise na segurança, crise na educação, crise nas estatais, crise na política e, como se não bastasse, crise também no judiciário, o que, por sua vez, coloca o brasileiro num mato sem cachorro e revela uma crise ainda mais profunda: uma crise ética e moral que se abateu sobre a alma de nossa nação.
Embora a operação Lava Jato tenha revelado, como nunca antes fora visto na história dessa país, boa parte desses podres problemas que se escondem nos corredores do poder de nossa nação, essa, contudo, não é uma realidade nova. Aqui, como já denunciara o padre Antônio Vieira, num sermão pregado na Igreja da Misericórdia em Lisboa, diante de D. João IV e de toda a alta cúpula portuguesa, não é de hoje que entre os políticos que administram o Brasil que se conjuga o verbo rapino em todos os tempos.
Entretanto, diferente de Vieira que havia denunciado e atacado aqueles que se valiam da máquina pública para enriquecer ilicitamente, até bem pouco tempo influentes pastores brasileiros gozavam de benefícios do Estado e andavam de mãos dadas com políticos corruptos e, apoiados num falso crescimento econômico e políticas assistencialistas, declaravam em alto e bom som que o Brasil era do Senhor e que a nossa nação estava experimentando um derramar do Espírito de Deus.
Conquanto tenha sido esse o discurso de boa parcela da igreja brasileira, Deus não deixou de denunciar as mazelas e injustiças praticadas em nossa nação por uma liderança maligna e corrupta. E fez isso, acredito eu, muitas vezes por meio de homens e mulheres de alma poética e espírito profético; pessoas muitas vezes descritas como irreligiosas, mas que conseguiram alinhar o seu discurso com o discurso divino.
O paraibano do Brejo do Cruz, Zé Ramalho, por exemplo, denunciou para todo o Brasil qual era a verdadeira identidade do cidadão brasileiro. Não era alguém com dignidade ou um sujeito pleno de diretos, mas um trabalhador explorado e excluído que encontrava na fé em Deus o seu último e único refúgio. Era o homem que havia enchido a sua mão de calos para ajudar a edificar o Brasil, mas que não tinha direito a coisas básicas como moradia, saúde e educação.
O também paraibano Flávio José, apesar de recusar os títulos de profeta e missionário, ditou como ninguém o ditado desse mundo chamado Brasil. Diferentes dos muitos líderes eclesiásticos de nossa nação que declaravam que o Brasil era do Senhor, esse matuto de Monteiro disse que o nosso país é o país dos milhões de analfabetos, das crianças eliminadas, das leis descartáveis, de uma multidão de miseráveis, do desrespeito, dos injustos, dos corruptos e, lamentavelmente, de um povo que aprendeu a ver a injustiça e a desordem dos homens sem Deus crescer e ficar calado.
Talvez indignado com toda essa calma ou espírito de rebanho do povo brasileiro é que Cazuza tenha chamado o Brasil a mostrar a sua cara. A ver que existe uma festa acontecendo com o dinheiro do povo brasileiro enquanto este vive na miséria ou cuidando do estacionamento. A ver que na realidade a realidade não passa de um jogo de cartas marcadas, pois os resultados e pesquisas de intenção refletem apenas a manutenção do velho e bom status quo para uma elite que se mantém há muito tempo no poder. Ou seja, o chamado de Cazuza é para ver, como viu o Raul Seixas, que aqui Tá tudo errado.
Olhando para a mesma realidade que parece tão difusa para a maioria das pessoas em nosso país, Chico Science também viu que há algo de errado em nossas cidades. Na polis, segundo ele, as coisas não crescem na mesma direção. Há sentidos prefixados de crescimento para as diferentes castas sociais. Para os de cima o sentido de crescimento é a subida, mas para os de baixo resta apenas descer mais ainda. Talvez nada tenha contribuído tanto para demonstrar essa realidade do que a crise que se abateu sobre o Brasil nesses últimos anos. Ela nos serviu para mostrar, como profetizou Chico, que o real crescimento das massas mais pobres da sociedade brasileira não passara de propaganda enganosa, pois o de baixo, sempre desce.
Que país é esse? Esse é o Brasil que os brasileiros ainda terão que enfrentar em 2017. É bem verdade que muito tem sido feito. É verdade que algumas estruturas já foram abaladas. É verdade que o nosso futuro não será mais o mesmo depois de todas as experiências vividas nesses últimos anos. Mas também é verdade, sem querer parecer contraditório em milha fala, que todo o trabalho feito até o momento pode ser jogado por água abaixo. É também verdade que o povo brasileiro ainda é muito inexperiente no trabalho de combate as injustiças sociais e a corrupção. Dessa feita, acredito que todos os brasileiros devem orar como Cássia Eller, isto é, pedir a Deus um pouco de "maladragem" - na linguagem bíblica, sabedoria - para enfrentar os desafios do ano novo.
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