A oração sacerdotal, um modelo para líderes na igreja.


     A igreja brasileira tem crescido de forma acelerada nos últimos anos. Passamos, segundo os dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, dos 40 milhões. Temos ocupados espaço e prestígio na sociedade brasileira inimaginável aos nossos antepassados. A despeito destas conquistas, o crescimento espiritual da igreja brasileira, contudo, parece não seguir o mesmo ritmo de seu crescimento número.

Como explicar essa realidade? Quais seriam as causas desse descompasso? Essas não são questões de fácil resolução. A Escritura, todavia, nos ajuda a elucidá-las. De modo geral, a Palavra de Deus associa à fragilidade espiritual do povo de Deus a decadência de seus líderes. Ou seja, a ideia bíblica é que uma liderança cega não pode conduzir adequadamente os seus liderados. Na realidade, a percepção bíblica é que quando cegos conduzem cegos o destino que os esperam é o buraco.


         Desse modo, uma importante questão precisa ser feita: Como anda a vida espiritual dos líderes da igreja brasileira? Dado o valor que a oração tem nas Escrituras para aqueles que foram chamados para liderar o povo de Deus, pensemos apenas neste ponto. Assim, as nossas questões seriam: Como anda a vida de oração dos líderes da igreja brasileira? Quanto tempo eles têm dispensado à vida de oração? Qual o conteúdo de suas preces?

            Fazendo uma análise da vida oração dos ministros da igreja brasileira, o pastor presbiteriano Hernandes Dias Lopes revela um quadro lamentável:

Temos nos púlpitos gigantes do saber, mas pigmeus no recôndito da oração. Homens que devoram livros e mais livros, mas não conhecem a intimidade de Deus. Que conhecem muito a respeito de Deus, mas quase nada de Deus. Que falam de Deus, mas nunca experimentaram Deus de forma profunda[1].

           Se é verdade que “o discipulado da oração depende do convívio com cristãos com genuína experiência de vida de oração[2], esta disjunção entre  a teoria e a prática ou entre o discurso e a experiência existente entre os nossos ministros inequivocamente torna a igreja digna de compaixão e os seus ministros dignos de lástima[3]. Por outro lado, é preciso pontuar que este modelo de liderança caminha na contramão daquilo que o nosso Senhor Jesus ensinara.

            Jesus é o nosso modelo. É Dele de onde extraímos o nosso predicativo cristão. E, como bem sabemos, Jesus não era apenas um homem de palavras, mas também de ações. Quanto à oração, por exemplo, como dissera o pastor Enéas Tognini, “O senhor Jesus recomendou com muita frequência aos seus discípulos a oração”. Mas, “Jesus não se limitou a instruí-los sobre a oração; orou com eles. Deu-lhes exemplo de oração, passando muitas vezes, a noite toda em oração, principalmente nas vésperas de grandes problemas do seu ministério terreno[4].

         Desta vida intensa de oração de Jesus pouco do seu conteúdo nos é revelado. Na verdade, a Escritura parece muito mais interessada em nos informar sobre o fato de que Jesus orava do que nos apresentar o conteúdo de todas as orações realizadas pelo nosso Senhor. A despeito disto, o pouco que nos é revelado já é mais do que suficiente para nos orientar em nossa vida de oração.

         A oração sacerdotal, presente no capítulo 17 do Evangelho de João, é um ótimo exemplo do pouco que nos é revelado sobre o conteúdo das orações de Jesus, mas que muito tem a nos instruir sobre a dinâmica da oração, especialmente aos líderes da igreja brasileira. Esta oração é o ponto final de uma longa conversa de Jesus com os seus discípulos. Basicamente, o mestre estava declarando para os seus discípulos que voltaria para o Pai, que a missão que viera realizar estava para ser concluída e que eles deveriam dar continuidade a sua obra apoiados no poder do Espírito Santo. Após estas palavras, que certamente causaram um grande alvoroço na mente de seus seguidores, Jesus ergue os olhos aos céus e profere uma das mais belas orações registradas na Escritura Sagrada. 

            O que vemos nestas palavras de Jesus? Qual é o seu conteúdo? O que um líder na igreja brasileira poderia aprender com essa bela oração do mestre da oração? De início, a semelhança daquilo que vemos na oração do Pai Nosso, poderíamos dizer que no cerne da oração de Jesus está o conceito de comunhão com o Pai, pois é em direção a Ele que o nosso Senhor ergue a sua cabeça e dirige as suas palavras e não a qualquer uma das muitas divindades do mundo pagão. Além disso, podemos dividir esta oração em três partes extremamente instrutivas para a liderança eclesiástica em nosso país na atualidade:  Jesus ora por Si mesmo (v. 1-5); Jesus ora pelos seus discípulos (6-19) e Jesus ora pela igreja do futuro e pelo futuro da igreja (20-26).

1)   Jesus ora por Si mesmo.
            O ministério terreno de Jesus está chegando a seu momento mais importante. Ele já havia glorificado o Pai na terra realizando a obra que o Pai lhe confira e reconhecia que sua hora, numa clara referência a cruz que se erguia no horizonte, já era chegada. Diante dessas realidades, Cristo dirige o seu olhar para o céu e pede ao Pai que, mais uma vez intervenha na história, e o glorifique com a mesma glória que Ele possuía junto do Pai antes que mundo existisse.

            Em linhas gerais, o que Jesus pede é que o Pai o glorifique no cumprimento de sua missão para a Sua própria glória. Ou seja, que na cruz e na ressurreição toda a autoridade lhe seja dada, não só nos céus, mas também na terra e com isso o nome de Deus seja louvado por meio do plano redentivo que propusera.

            Embora não se possa comparar a missão de Jesus com a missão daqueles que lideram a igreja em nossos dias, este trecho da oração de nosso Senhor tem, no mínimo, duas importantes lições para os líderes da igreja brasileira: 1) dependência do Pai para o cumprimento da missão, 2) a glória do Pai no cumprimento da missão.

            Quando aqueles que lideram a igreja no Brasil perceberem estas importantes lições presentes na primeira petição de Jesus em sua oração sacerdotal, as nossas igrejas não crescerão primeiramente em número, mas em espiritualidade que trará, certamente, como consequência um crescimento número saudável.  

2) Jesus ora pelos discípulos.
            Como já observamos, Jesus vive os últimos dias de seu ministério na terra. Muitos daqueles que o seguiam já não o acompanham mais. O cenário que aponta para a cruz a cada instante parece se tornar mais real e os discípulos cada vez mais confusos quanto aos verdadeiros aspectos da messianidade de nosso Senhor, visto que Ele, contradizendo o ideário messiânico de seus discípulos, não falava na implantação de um reino terreno, mas que estava regressando para a casa do Pai para lhes preparar lugar.

            Neste intervalo, os discípulos deveriam dar continuidade à obra de seu Senhor. Deveriam transmitir a palavra que lhes fora revelada, ou seja, apresentar para a humanidade desnorteada, no poder do Espírito Santo, o único caminho para o Pai. Esta missão, por sua vez, não seria fácil, pois o mundo para os discípulos de Jesus seria um lugar de aflições.

            Conhecedor destas realidades que, embora presentes no horizonte, ainda não parecessem tão evidentes para os seus discípulos, Jesus suplica ao Pai em favor da vida daqueles que o próprio Pai os havia confiado ao discipulado. Ele sabe que a missão que tinham a desempenhar era necessária e que o mundo lhes faria resistência. Por esta razão, Jesus, ainda com os olhos voltados para os céus, pede ao Pai que não os tire do mundo, mas livre-os do mal.

          Podemos dizer que o que Jesus pede para os seus discípulos é que o cuidado do Pai lhes seja uma realidade enquanto realizam a Sua obra, enquanto ainda se encontram distantes da casa do Pai. Diante deste fato surgem importantes questionamentos: será que Deus ouviu a oração de seu Filho? Será que Deus a atendeu? Como o Pai sempre ouve e atende ao Filho, os discípulos deveriam estar certos de que o cuidado do Pai nunca estaria ausente de suas vidas, mesmo que as circunstâncias pareçam contrárias, pois todas as coisas cooperariam, como bem observara o apóstolo Paulo, para o bem daqueles que amam a Deus.

            Se compreendemos que a missão da igreja está intimamente relacionada ao seu crescimento numérico, esta parte da oração de Jesus nos ensina que a missão deve estar, sobretudo, relacionada à oração. A igreja brasileira, principalmente a liderança, precisa entender esta verdade, pois o nosso crescimento, embora notório, não parece relacionado à vida de oração da igreja. Por outro lado, em Jesus, também, aprendemos que aqueles que lideram devem discipular para a missão e interceder ao Senhor da seara para que manifeste o seu cuidado sobre a vida daqueles que lhes fora confiado.

3. Jesus ora pela igreja do futuro e pelo futuro da igreja.
            A última parte da oração de Jesus é muitíssimo interessante. Jesus não tem os seus olhos apenas fixos no presente, mas, por e através da cruz, já visualizava o futuro, o novo cenário que se manifestaria no horizonte. E o que Jesus via? Que novo cenário era este? Ele via a igreja que seria erguida por meio do trabalho dos discípulos que deixara encarregados de levar adiante a sua missão e isto o faz interceder pela igreja do futuro e pelo futuro da igreja.

            O que Jesus pede para igreja é algo extremamente importante. Ele inicia pedindo pela unidade da igreja, ou seja, para que aqueles que viessem a crer Nele, por instrumentalidade da Palavra, fossem um assim como Ele e o próprio Pai: vivessem em um. Esta unidade, segundo Jesus, teria uma finalidade missionária e apologética, isto é, levaria o mundo a conhecer que Jesus era o enviado do Pai e uma expressão do amor divino pela vida de seu povo.

            Na sequência, Jesus ora ao Pai externando o desejo de ter, no futuro, os seus discípulos junto a Ele para que possam partilhar da sua glória, a glória que possuía junto ao Pai antes que houvesse mundo, e que, em certa medida, já tinha sido partilhada com eles, e assim serem aprofundados e aperfeiçoados em conhecimento, amor e unidade.

            Esta oração de Jesus parece contrariar a lógica daquilo que está no coração de muitos líderes da igreja evangélica na atualidade. Eles parecem muito mais promotores de seus próprios empreendimentos ministeriais do que da unidade da igreja e é por esta razão que a igreja cresce no Brasil de forma fragmentada e sem cumprir com eficácia o seu papel de levar o mundo a conhecer a Cristo como enviado do Pai. Nossos líderes, portanto, precisam entender que a nossa missão deve ser feita em unidade, que o fundamento dessa unidade é a relação existente entre o Pai e o Filho e que só poderemos promover esta por meio de uma vida de oração.

Conclusão

            Como fora destacado no início de nossa reflexão, um dado concreto sobre a igreja brasileira é o seu crescimento numérico. Por outro lado, também destacamos que esta mesma igreja não cresce espiritualmente no mesmo ritmo. Qual a razão? Destacamos que esta dificuldade está, de alguma forma, relacionada à fragilidade da vida de oração dos líderes da igreja no Brasil. Diferente de Jesus, eles buscam cumprir a missão que lhes fora confiada desprezando a vida de oração. É como se desejassem fazer a obra de Deus sem Deus na obra.


[1] Hernandes Dias Lopes. Avivamento Urgente. 4º Edição. Belo Horizonte: Betânia, 1994,  p. 54.
[2] Prof. Jaime dos Reis Sant’Anna. In Prefácio a BARTH, Karl. O Pai Nosso: a oração que Jesus ensinou aos seus discípulos. São Paulo: Fonte Editorial: 2003, p. 9.
[3] Idem.
[4] TOGNINI. Enéas. II Crônicas 7.14. 1ª Edição. São Paulo: Edições Enéas Tognini, 1963, p. 22.

Autor: Hebert Leonardo 

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