O Deus da promessa

Hebert Leonardo Borges de Souza

            HORTON, Michael. O Deus da promessa. Trad. Elizabeth Stowell Charles Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, 160 p.

            Há quem diga que a Bíblia é a mãe de todas as heresias. Certamente, este é o tipo de declaração que encontra o seu fundamento no fato de que a palavra de Deus tem sido lida e interpretada de modo diverso e, não poucas às vezes, contraditório. Esta declaração, todavia, pode, por sua vez, dirigir a atenção para o entendimento de que, na verdade, é a Bíblia que não tem sido lida corretamente. Desse modo, surge uma importante questão: Qual seria, então, a melhor forma de ler a Escritura?
            O Dr. Michael Horton, professor de apologética e teologia no Westminster Seminary, autor de diversas obras traduzidas para a língua portuguesa, na obra “O Deus da promessa”, um livro organizado em nove capítulos, procura demonstra, de maneira clara e objetiva, que é no conceito de aliança que repousa toda a estrutura necessária para o correto entendimento das Escrituras.
            No primeiro capítulo, “A Grande Ideia?”, a despeito de o mundo ser um lugar de quebras de promessas, o Dr. Horton observa que o conceito de aliança faz parte da natureza do próprio Deus e que todos os seres humanos foram criados como criaturas da aliança. A conclusão, portanto, de seu argumento, é que todo o ser humano, como criatura da aliança, tem uma relação com Deus.
            O trabalho do Dr. Horton é investigar a natureza desses relacionamentos retratados na Bíblia, bem como demonstrar, como já dito, que nos mesmos encontram-se a ferragem que sustenta todo o edifício da revelação. O Dr. Horton ainda destaca os inúmeros benefícios dessa corrente conceptiva e que na mesma encontra-se o cerne da Teologia reformada.
            No segundo capítulo, “Deus e as Relações Estrangeiras”, o Dr. Horton procura apresentar o pano de fundo para o conceito bíblico de aliança. Apoiando-se nos trabalhos de George E. Mendenhall e Delbert Hillers, ele deixa claro, por meio da exposição das semelhanças das estruturas das alianças, que as alianças bíblicas remontam aos tratados entre suseranos e vassalos no Oriente Próximo. Exemplificam essa realidade o Decálogo e o texto de Josué 24.
            Apesar das semelhanças, o Dr. Horton não deixa de observar as diferenças dos tratados entre suseranos e vassalos e as alianças entres Israel e Deus. Ele, por exemplo, pontua que, diferente dos tratados hititas, o que se percebe com relação a Israel “é que o seu Deus é um suserano atuante e não apenas uma testemunha da imposição de um relacionamento por parte de um soberano” (p. 25).
            No terceiro capítulo, “Um História de Duas Mães”, o autor retoma um tema que havia comentado apenas de passagem no segundo capítulo: “Nem todas as alianças bíblicas se encaixam no modelo de tratado de suserania” (p. 30). O Dr. Michael Horton procura demonstrar essa realidade bíblica e suas implicações tomando como ponto de partida a alegoria paulina das duas mães (Hagar e Sara) registrada no capítulo 4 da carta aos Gálatas e atesta que as diferentes alianças registradas na Escritura “podem ser agrupadas em dois grupos: alianças condicionais que impõem obrigações e alianças incondicionais que anunciam uma promessa divina” (p. 30). No primeiro grupo, por exemplo, encontram-se as alianças do Sinai e de Josué 24, enquanto que no segundo estão as alianças abraâmica e davídica.
            Ainda tratando dessas questões, mesmo entendendo que o conceito de aliança eterna só viesse a ser tratado de forma mais aberta na aliança davídica, o Dr. Michael Horton também demonstra que o primeiro grupo de alianças possuía um caráter provisório e frágil, enquanto que o segundo repousava na ideia de eternidade e estabilidade.
            No quarto capítulo, “Uma Nova Aliança”, a partir de uma análise que ultrapassa o limite do conteúdo bíblico conhecido como “Lei”, o Dr. Michael Horton procura aprofundar as diferenças entre a aliança da promessa e a aliança da lei. Para ele, este profundo contraste entre as alianças é retratado de modo muito claro em Jeremias capítulo 31, um contraste entre a lei e o evangelho, e encontra o seu ponto alto na obra de Cristo Jesus. Desse modo, fica claro na abordagem do autor, que a nova aliança representa o cumprimento das alianças abraâmica e davídica; algo, portanto, que estava além da natureza e propósito da aliança sinaítica. 
            Fugindo de um conceito limitado de aliança, o Dr. Michael Horton encerra o quarto capítulo tratando da relação, nem sempre de fácil percepção, das palavras berit e diatheke, e conclui advogando a unidade básica das alianças, isto é, a continuidade orgânica e progressiva das alianças abraâmica, davídica e a nova aliança no contexto da aliança da graça cumprida na pessoa e obra de Cristo.
            No quinto capítulo, “Da Escritura para o Sistema: O Cerne da Teologia da Aliança”, o autor trata da relação entre a Bíblia e a sistematização teológica, pois para o mesmo, um bom sistema teológico não deve ser imposto as Escrituras, mas deve brotar do terreno fértil da própria Escritura. Desse modo, nesse ponto de seu trabalho, ele parte do entendimento geral de que a revelação bíblica apresenta dois tipos básicos de alianças (incondicional e condicional) para a formulação tradicional reformada e mais específica de três alianças que se sobrepõe: a aliança da redenção, a aliança da criação e a aliança da graça.
            Todo o capítulo gira em torno da fundamentação bíblica dessas alianças que, em termos gerais, tratam do pacto eterno trinitário para redenção da humanidade, do pacto feito com a humanidade por meio de Adão e do pacto selado com os crentes em Cristo Jesus. É interessante destacar que o Dr. Horton, à medida que demonstra biblicamente o fundamento de cada um desses pactos, também expõe a importância do correto entendimento dos mesmos para um adequado relacionamento com Deus, com o próximo e com o mundo.
           No sexto capítulo, dando sequência a sua argumentação, Michael Horton trata especificamente da graça comum, isto é, da providência divina para com as suas criaturas. Ele demonstra que a criação não apenas esta debaixo de uma maldição comum, mas, igualmente sob uma aliança em que o próprio Deus se compromete, a despeito do desempenho humano, em cuidar da humanidade. Segundo o autor, essa é uma verdade bíblica que está muito bem retratada na aliança entre Deus e Noé, no sinal de preservação concedido a Caim e encontrou seu espaça na elaboração teológico por meio do entendimento de que o cristão é cidadão de dois reinos.
            No sétimo capítulo, “O povo da Aliança”, o autor demonstra que tanto os dispensacionalistas quanto os teólogos tradicionais que fazem uso da “teologia da substituição” falharam em seus conceitos de Igreja justamente porque não compreenderam adequadamente a diferença entre as alianças bíblicas, bem como o caráter progressivo e orgânico da aliança da graça que tem seu cumprimento na pessoa e obra de Cristo.
            “Sinais e Selos da Aliança” é o tema do oitavo capítulo. Nessa parte de seu trabalho, Horton traça um paralelo entre circuncisão/batismo e Páscoa/Ceia. O autor demonstra que o batismo e a Ceia, a semelhança da circuncisão e da Páscoa, são sinais e símbolos da aliança, dados por Deus para fortalecer a fé de seu povo, para animá-los em sua caminhada com o evangelho visivelmente demonstrado, para levá-los ao arrependimento, para chamá-los a unidade com Cristo e com o próximo, bem como, para manter viva em suas mentes a esperança da volta de Cristo.
            Finalmente, o Dr. Horton, no nono capítulo, “Obediência da Nova Aliança”, pensando a partir do contexto veterotestamentário, procura responder o seguinte questionamento: “Qual seria o lugar, se existe algum, para a lei, na vida cristã?” O problema com esta questão, segundo Horton repousa na falta de distinção entre a própria lei e a aliança da lei, em distinguir os diferentes tipos de lei da Escritura, bem como seus diferentes usos. Essa realidade, segundo o autor, é fruto também de uma incompreensão da nova aliança e dos limites da própria lei, o que, por sua vez, resulta numa falta de entendimento de existe para o cristão um uso legítimo da lei.
            A obra do Dr. Michael Horton é um excelente material introdutivo sobre a teologia da aliança. Trata-se de um material, a despeito do tamanho reduzido das citações diretas, de leitura simples e agradável. É uma obra, portanto, indispensável para aqueles que desejam entrar em contato com uma construção teológica que apresenta, de forma harmoniosa, todo o edifício da revelação bíblica. 
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Autor: Hebert Leonardo Borges de Souza, ministro batista, bacharel em teologia pelo Seminário Teológico Batista Nacional de Pernambuco, licenciado em física pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, especializado em teologia sistemática pelo Seminário Presbiteriano do Norte e mestrando em teologia pelo Seminário Teológico Filadélfia.

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