Teu é o Reino: uma teologia sistemática da oração do Senhor


Hebert Leonardo Borges de Souza[*]

            BRAY, Gerald. Teu é o Reino: uma teologia sistemática da oração do Senhor. Trad. Rogério Portella, Lilian Palhares. São Paulo: Shedd Publicações, 2009, 238 p.

            A Bíblia é um livro sistematizado? Boa parte das pessoas responderá, com razão, que não. O motivo para isso é que não encontramos na Escritura Sagrada, de modo logicamente estruturado, os temas que nos acostumamos a encontrar nos tratados de teologia sistemática. Não podemos dizer, contudo, que a Escritura não seja sistematizável nem que não haja partes da mesma com certo grau de sistematização, uma espécie de embrião que ofereça o fundamento para toda a nossa organização doutrinária.
            Gerald Bray, professor de teologia da Beeson Divinity, da Universidade de Samford, em Birmingham no Alabama e editor da Série teologia cristã, publicado no Brasil pela Editora Cultura Cristã, observa este aspecto, digamos, inerente a Escritura em, talvez, a sua porção mais conhecida: A Oração do Senhor. Não que caibam todos os assuntos nesta oração. Todavia, como destaca o autor, é possível ver na mesma uma estruturação trinitária: Pai, Filho e Espírito Santo, articulada a outros temas.
        No primeiro capítulo, Gerald Bray trata da expressão: “Pai nosso que estás nos céus! Santificado seja o teu nome”. Após uma breve introdução sobre as duas versões da Oração do Senhor no Novo Testamento e concluir que as mesmas, dada as suas diferenças, apontam para diferentes experiências vividas por Jesus, o autor passa a tratar da doutrina de Deus, ou seja, da paternidade de Deus, de nossa filiação com o Pai e de como nossa filiação com o Pai deve buscar a manifestação de sua santidade em nossas vidas. Isso o leva, finalmente, a destacar que orar ao Pai que está no céu pedindo para que o seu nome seja santificado é um grande privilégio e uma busca por mudanças em nossa própria vida para que venha refletir a glória do Pai. 
            No capítulo seguinte, Gerald Bray passa a investigar a expressão: “Venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu” e deixa claro nessa parte a doutrina de Cristo. Ele inicia destacado que o Reino era um dos conceitos chaves da pregação de Jesus e amplamente empregado no mundo antigo. Gerald, todavia, observa que, diferente dos antigos, o leitor moderno da oração do Pai Nosso, vivendo geralmente em regimes democráticos, não está familiarizado com todos os detalhes que carrega a palavra reino dentro do contexto da oração ensinada pelo Senhor. Desse modo, ele passa a analisar a ideia de monarquia no mundo antigo, seu desenvolvimento na história de Israel e a implantação do reino de Satanás com a rebelião do homem contra Deus. Após estes esclarecimentos, o autor deixa claro que Jesus veio para subverter o reino implantado por Satanás e que sua presença assinalava que o Reino já era uma realidade. Por que então, argumenta o autor, pedir para que o Reino venha e o que isto significa? A resposta de Gerald para estas questões é uma: Para que o rei venha reger as nossas vidas no grau necessário e isto somente acontece quando a nossa vontade é trabalhada por Deus. Esta petição, portanto, como reconhece o autor, é também uma suplica por transformação de vida.
            Seguindo a sequência natural da oração do Senhor, no terceiro capítulo, Gerald Bray se volta para a seguinte declaração: “O pão nosso de cada dia dá-nos hoje”. O autor destaca inicialmente que esta expressão marca na oração do Pai Nosso uma transição abrupta do louvor e adoração a Deus para a intercessão, bem como revela a nossa dependência de Deus em todas as esferas do nosso ser. Posto este fundamento, aquilo que conhecemos como doutrina da porvidência, Gerald Bray procura, no restante do capítulo, por meio de muitos exemplos, demonstrar o quando dependemos de Deus para suprir diariamente as nossas necessidades e como Deus nos supri de forma abrangente, visto que não se limita a nos trazer apenas o pão físico, mas, sobretudo, o pão vivo que desceu do céu. Logo, o autor conclui que nesta súplica se manifesta a fé da Igreja em Deus como o provedor de suas necessidades, assim como a harmonia do corpo de Cristo como receptora e compartilhadora das graças recebidas.

            Perdoa a nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores” é o foco do quarto capítulo. Gerald Bray diz que esta é, sem sombra de dúvida, a linha mais difícil da oração do Senhor. O problema é saber exatamente pelo que se deve perdir perdão – transgressões, dívidas ou pecados? Atrelado a este problema de tradução, segundo Gerald Bray ainda existe a dificuldade de confiar no perdão divino, visto que este está atrelado a nossa capacidade de ofertar perdão. Para solucionar estas questões e oferecer uma interpretação para esta parte da oração, o autor de Teu é o Reino examina o texto grego desta linha da oração do Pai Nosso e conclui que a palavra dívida seria a tradução mais apropriada para a palavra empregada no texto original. Todavia, segundo Gerald, neste termo encontra-se imiscuído de modo eufêmico a ideia de pecado. Dessa feita, bem a moda da sistematização doutrinária, o restante do capítulo foca na exposição da doutrina do pecado e da justificação pela fé em Cristo Jesus e conclui destacando que o perdão de Deus é a base para o compartilhar do perdão ao próximo.
            No penúltimo capítulo, Gerald Bray trata do conteúdo da frase: “E não nos deixe cair em tentação, mas livra-nos do mal”. Segundo o autor, esta frase aponta para a realidade na qual todo o ser humano encontra-se inserido: o mundo jaz no maligno. Neste mundo tenebroso, o crente em Cristo vive pressões internas e externas; é tentado por sua própria natureza e pelo mundo a sua volta; trava intensas lutas contra o mal que o rodeia e o próprio Satanás. Esta, sem sombra de dúvida, é uma batalha renhida e deixado a sua própria sorte, o cristão estaria, invariavelmente, destinado a perecer neste combate. Assim, Gerald Bray argumenta que esta parte da oração do Senhor revela também de onde vem o sucesso da vida cristã. Diz ele: é da habitação do Espírito Santo na vida de cada crente de onde vem o poder para a vitória nesta grande batalha espiritual e o instrumento empregado pelo Espírito para capacitá-lo a vencer é a Palavra de Deus.
            No último capítulo, por fim, Gerald Bray investiga a origem e o significado das palavras: “Porque teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém”. Segundo o autor, este texto, embora presenta na Didaquê, não pertence ao texto original. O mesmo fora incluído, argumenta, no período da Reforma por influência do texto de Erasmo. A pesar disso, Gerald Bray entende que sem este arranjo a oração do Senhor apresenta-se, de alguma forma, incompleta. Quanto ao seu sentido, ele destaca que o texto é uma doxologia que objetiva conduzir-nos para o início da oração lembrando, numa única expressão, “que tudo provem de Deus e tudo retorna para ele”, pois Dele “é o Reino, o poder e a glória para sempre”.
            A obra de Gerald Bray, Teu é o Reino, é um excelente abordagem a oração do Senhor. Permeada por inúmeros exemplos, seguindo uma perspectiva trinitária, o autor expõe, de maneira clara e precisa, cada declaração do Pai Nosso, tornando possível notar, nesta antiga oração, a presença de antigas doutrinas da fé cristã. Esta é, portanto, uma leitura indispensável para aqueles que desejam conhecer um pouco mais a oração do Senhor e como esta se relaciona com importantes doutrinas da Igreja de Cristo.  

[*] Graduado em teologia pelo Seminário Batista Nacional de Pernambuco, licenciado em Física pela UFRPE, especializado em teologia sistemática do Seminário Presbiteriano do Norte e mestrando em teologia pelo Seminário Teológico Filadélfia. 

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