Calvinismo


RESENHA

Hebert Leonardo Borges de Souza[*]

            KUYPER, Abraham. Calvinismo. Trad. Ricardo Gouveia e Paulo Arantes. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, 208 p.

            Abraham Kuyper (1837-1920) foi uma das figuras mais importantes e significativas da nação holandesa. Teólogo, filósofo, político, estadista, jornalista; a sua influência sobre essa nação fora sentida na igreja, no estado, na sociedade, na impressa, nas escolas e nas ciências, a ponto de alguém em 1907, ano em que Kuyper comemorava o seu septuagésimo aniversário, escrever sobre a impossibilidade de se contar a história da Holanda, nos últimos quarenta anos que antecederam essa data, sem uma referência ao seu nome quase que em todas as páginas.
            A importância de Kuyper para esse povo, e porque não para o mundo, pode ser facilmente demonstrada, por exemplo, nas mais de 200 obras que escreveu e publicou. Dentre essas, se destacam a “Enciclopédia de Teologia Sagrada", "A Obra do Espírito Santo" e o clássico devocional "Estar Próximo a Deus”. A disposição e o fôlego para esse e tantos outros trabalhos que desempenhou, segundo o próprio Abraham Kuyper, provinha do Calvinismo, o qual era para ele o único fundamento para uma visão abrangente da vida.
            A forma como o doutor Kuyper compreendia o Calvinismo e a sua relação com o mundo está muito bem documentada no livro “Calvinismo”. Essa obra, além de uma nota biográfica, reúne o conteúdo integral das seis palestras que Kuyper proferira na Universidade e Seminário de Princeton em 1898, as chamadas Palestras Stone.
            Essas palestras foram elaboradas no contexto da modernidade e o modo como estão estruturadas reflete de maneira muito clara o modelo apologético concebido por Kuyper para o enfrentamento desse sistema de vida que se levantava contra o Cristianismo em seus dias. Essa sua linha de ação apologética pode ser resumida, muito claramente, por meio de suas próprias palavras, através da seguinte expressão: “Se o combate deve ser travado com honra e com esperança de vitória, então, princípio deve ser ordenado contra princípio” (p. 19).
            Com essa ideia em mente, Abraham Kuyper inicia a sua primeira palestra apresentando o conceito de Calvinismo, não em seu sentido sectário, confessional ou denominacional, mas como uma palavra científica de sentido histórico, filosófico e político. Na prática, isso equivale a dizer que o Calvinismo na concepção de Kuyperiana não estava apenas restrito ao âmbito religioso, como muitos ainda costumam pensar, mas, na verdade, deveria ser entendido como um consistente, abrangente, compreensivo e poderoso sistema de vida.
            É apoiado nessa definição que Kuyper demonstra a extensão, raízes, abrangência, coerência, viabilidade e empregabilidade histórica do Calvinismo, o que destaca a extrema importância de seu trabalho, pois apresenta o Calvinismo como um sistema que envolve todos os setores da vida humana.
            Como todo bom sistema precisa responder algumas perguntas fundamentais, tais como aquela que trata da relação entre o homem e Deus, Kuyper aborda em sua segunda palestra a relação entre o Calvinismo e a Religião. Essa é a oportunidade em que o doutor Kuyper denuncia o fracasso do sistema modernista em ofertar uma nova forma de vida religiosa, bem como onde destaca o sucesso do Calvinismo nessa área, visto que esse colocou diante da humanidade um edifício religioso inteiro, fundamentado na Escritura, de onde o homem poderia encontrar repouso.
            Fugindo do campo religioso, a terceira palestra de Abraham Kuyper apresenta a concepção de política desenvolvida no seio do Calvinismo. Conforme o seu argumento, diferente da política francesa que havia ignorado Deus e feito do Estado o seu deus, a visão política que brotou do Calvinista fundamenta-se, segundo Kuyper, justamente na doutrina da Soberania de Deus sobre todo o mundo e é dessa soberania de onde se deriva a Soberania no Estado, na Sociedade e na Igreja. 
            A visão política, portanto, do Calvinismo, conforme exposta por Kuyper, defende a existência de diferentes esferas de autoridade interdependentes e intermediárias e que essas devem se articular para o bem da sociedade como um todo.
            Na quarta palestra, Abraham Kuyper trata da relação entre Calvinismo e Ciência. Segundo ele, o Calvinismo fora capaz de restaurar, encorajar e promover o desenvolvimento científico, isso porque, diferente do Romanismo, o qual havia estabelecido uma visão dualista entre matéria má e espírito bom, esse olhava para o mundo como obra das mãos de Deus.
            Kuyper destaca também que esse fora um processo profundamente influenciado pelo dogma calvinista da predestinação, o qual sustenta que o mundo é perfeitamente ordenado e investigável, e que culminou com a libertação da ciência do poder do Estado e da Igreja para a sua própria esfera soberana de atuação.
            A relação entre Calvinismo e Arte é o tema da quinta palestra do doutor Kuyper. Nela ele destaca que o Calvinismo não desenvolveu um estilo próprio de arte, pois compreendeu que a relação entre religião e arte representa o regresso a um estágio inferior da maturidade religiosa. Todavia, o próprio Kuyper não deixa de reconhecer e destacar a importância do pensamento calvinista para o desenvolvimento da arte. Isso ocorreu, por exemplo, para ele, quando o mesmo levantou-se contra o uso indevido da arte - a arte ligada à imoralidade e a exposição da figura feminina – e buscou compreendê-la como um dom de Deus que se manifestava mesmo entre os ímpios.
            Para Kuyper essas ideias estavam firmemente apoiadas nas doutrinas calvinistas da eleição e da graça comum e proporcionaram as artes a liberdade que tanto necessitavam para expressar-se de maneira livre. 
            Em sua última palestra Kuyper fala sobre a relação do Calvinismo e o Futuro. Escrevendo no contexto da Modernidade e diante do fracasso desse sistema de vida em ofertar a humanidade um nível mais elevado de existência, ele apresenta o Calvinismo como o sistema que pode reorientar a trajetória do ser humano. Essa posição de Kuyper não pode ser avaliada como uma espécie de anacronismo, pois o que ele defende não é uma simples cópia do passado em tempos modernos, mas um retorno a raiz dos princípios defendidos e aplicados pelos reformadores calvinistas.
            Depreende-se dessa visão, que para Kuyper, o Calvinismo não é apenas um sistema de vida, mas, sobretudo, um sistema de vida de natureza dinâmica e não fossilizada e que, justamente por isso, é capaz de contribuir com as necessidades futuras do ser humano.
            Esse trabalho de Abraham Kuyper nos apresenta uma visão que se tornou conhecida como Neo-Calvinista por advogar a ação e influência dos valores reformados em todas as esferas de nossa sociedade. Essa é uma obra de leitura obrigatória para aqueles que desejam compreender como esses valores podem se articular com a política, a ciência, as artes, isto é, com uma vida que glorifica a Deus.    


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