Uma Visão Cristã dos Homens e do Mundo


RESENHA

Hebert Leonardo Borges de Souza

            CLARK, Gordon Haddon. Uma Visão Cristã dos Homens e do Mundo. Trad. Josaías Carlos Ribeiro Jr. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2013, 312 p.


            Não são poucos os cristãos que possuem dificuldades em relacionar o cristianismo, de forma coerente e bem estabelecida, com a história, a política, a ética, as diversas religiões humanas e o estudo do conhecimento. Gordon Clark (1903-1985), um filósofo e teólogo calvinista do século passado, autor de mais de 40 livros, profundo conhecedor da filosofia antiga e contemporânea e alguém que dedicou mais de 60 anos de sua vida ao ensino superior, ofereceu em “Uma Visão Cristã dos Homens e do Mundo” um quadro que demonstra, de maneira muito clara, que a fé cristã não está restrita apenas ao campo religioso, mas se relaciona com a totalidade da vida humana.

            No primeiro capítulo, a título de introdução, Gordon Clark observa que a sociedade ocidental substituiu o teísmo como visão de mundo pelo humanismo e naturalismo; o que resultou numa desestruturação social. Diante desse quadro, Clark destaca o propósito de seu trabalho, isto é, apresentar o cristianismo como um sistema capaz de trazer significado e unidade a existência. Um sistema, portanto, com aplicações em todas as áreas do conhecimento.

            Esse é um trabalho de grandes proporções, mas segundo Clark pode ser feito, em primeiro lugar, ampliando-se as implicações do teísmo já disponíveis; em segundo lugar, fornecendo um quadro esclarecedor do teísmo em contraste com o material naturalista existente e, em terceiro lugar, ofertando, mesmo que em formato elementar, uma introdução a filosofia cristã.

            Seguindo o curso de sua obra, Clark aborda, no segundo capítulo, o seguinte tema: “Filosofia da História”, cuja intenção é tratar de um problema fundamental da história, isto é, “a formulação de uma lei que nos capacitará a entender o curso dos acontecimentos e emitir um palpite provável sobre o futuro” (p. 45). Em busca desse objetivo, após analisar os conceitos de história desenvolvidos pelo marxismo e pela filosofia do progresso, bem como os estudos descritivos de civilizações elaborados por Spengler e Toynbee, Clark demonstra que apenas o cristianismo com a sua doutrina distintiva da existência de Deus como o criador e controlador da história pode atribuir um significado a história.

            No terceiro capítulo, Clark trata da “Filosofia da Política”. A questão básica nesse capítulo é, ultrapassando a linha do meramente descritivo, “revelar a forma de governo superior” (p. 103) ou, em termos mais objetivos, “apresentar evidências [...] que justificam os governos civis de direitos limitados” (p. 143). Clark toma como ponto de referência para essa empreitada basicamente as concepções de estado desenvolvidas por Aristóteles e Rousseau e demonstra que tanto a ideia aristotélica de estado, como uma grande comunidade onde “todos os cidadãos pertencem ao estado” (p. 109), assim como o conceito de estado rousseauniano baseado num contrato social são insuficientes para justificar a existência de qualquer estado de direito, além de implicarem em anarquia ou totalitarismo.

            Em contraposição a esses modelos humanistas, o cristianismo, conforme exposto por Clark, não compreende o estado como um produto natural ou convencional da sociedade, mas como uma instituição divina que tem em Deus o fundamento e os limites de sua funcionalidade. Essa ideia, segundo Clark, está claramente documentada na Escritura Sagrada, por exemplo, nas palavras do apóstolo Paulo aos crentes de Roma sobre as autoridades governamentais e nas palavras do próprio Jesus quando trata sobre a questão do tributo a César.

            Num desdobramento natural de seu argumento, no quarto capítulo, Gordon Clark aborda como tema a “Filosofia da Ética”, visto ser esse um tema de importância fundamental tanto para as questões políticas quanto para muitos outros assuntos. Dessa forma, Clark demonstra que “Quanto mais os assuntos são estudados, mais seus inter-relacionamentos serão observados” (p. 149).

            O grande propósito de Clark nessa parte de seu trabalho é encontrar respostas significativas que justifiquem a base da moralidade. Ou, dito de outra forma, o que torna uma ação certa ou errada? Para isso Clark investiga as teorias éticas e demonstra a fragilidade conceitual da ética teleológica utilitarista e da ética ateleológica, sobretudo a de matriz kantiana, por ser esse o principal expoente nessa área, e conclui o seu trabalho promovendo a ética da revelação como uma teoria ética mais eficiente. Em primeiro lugar, porque oferta “um escopo adequado para o autointeresse” (p. 183). Em segundo lugar, porque “oferece orientação específica para situações da vida” (p. 184).            

            No quinto capítulo, Gordon Clarck trata da “Filosofia da Ciência” a partir do entendimento de que tudo deve se render aos resultados precisos das ciências positivas, dado que os resultados da especulação filosófica são vagos e gerais demais para descobrir a verdade. Com isso em mente Clark investiga a suposta relação unilateral entre ciência e conhecimento, a importância dos fatos e sua interpretação para a formação das leis científicas, a própria formação de conceitos, o modelo mecanicista e indeterminista da natureza e se existe algum propósito na ciência.   

            A análise de Clark demonstra que a ciência não é infalível em suas elaborações, que os fatos absolutos são coisas inexistentes, que os conceitos científicos mudam com as operações, que os métodos da ciência se fundamentam na fé e na escolha, que não existe uma única prova científica a favor da uniformidade da natureza e que a ciência com os seus métodos não representam a única porta de entrada para o mundo do conhecimento. Sendo assim, Clark conclui que nada que resulte dessa lógica pode desacreditar os argumentos que vem defendendo em sua abra até então ou mesmo motivar uma escolha contrária ao teísmo.      

            Reconhecendo que os problemas da história, da política e da ética carecem de pressupostos teístas, no sétimo capítulo, Gordon Clark trata da “Filosofia da Religião”. O seu intuito é demonstrar que o teísmo, especificamente o teísmo cristão de matriz calvinista com sua forte ênfase na revelação, oferece a base para sustentação de uma visão de mundo satisfatória. Clark destaca que esse é um trabalho que deveria levar em conta, ou uma análise de toda a forma de teísmo não cristão ou uma análise de uma forma mais típica do pensamento moderno.    

            Dada a limitação de tempo e espaço de sua obra, Clark, sem deixar de reconhecer a arbitrariedade de seu ato, leva em conta a segunda opção, isto é, a análise de uma forma mais típica do pensamento moderno. Em temos concretos, ele analisa a teoria de um deus finito desenvolvida por Edgar Sheffield Brightman e chega à conclusão de que o naturalismo neutro, diferente do teísmo cristão, não consegue explicar a existência do bem, do mal, de ideais, de valores, de gostos e de desgostos.

            Entendendo que toda a sua argumentação filosófica necessita de uma boa base epistemológica, Clark encerra a sua obra tratando da “Filosofia do Conhecimento”. A sua intenção é “mostrar mediante a aplicação da lei da contradição [...] que a verdade existe e que o conhecimento é possível” (p. 305). Por isso Clark investiga e denuncia a fragilidade da estrutura conceitual do ceticismo, relativismo, empirismo e apriorismo kantiano, visto que todas essas formulações teóricas conduzem, invariavelmente, a incoerência e ao ceticismo. E conclui destacando que no cristianismo, contrapondo-se a essas teorias, temos amparo para a verdade e para a possibilidade do conhecimento.
         “Uma Visão Cristão dos Homens e do Mundo”, ao tratar da história, da política, da ética, da ciência, da religião e da teoria do conhecimento, demonstra, sem sombra de dúvida, a abrangência do pensamento de Gordon Clark. Não deixa, contudo, de demonstrar que a base de toda a sua forma de pensar é a Escritura e que Nela está a fonte de toda a verdade. Dessa forma, essa é uma boa obra para todo aquele que pretende refletir, de forma lógica e organizada, sobre os homens e o mundo com base na palavra de Deus.  



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